UMA BREVE ANÁLISE DA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE Lei n.º 13.869/2019

A Nova Lei de Abuso de Autoridade (n.º 13.869), que começou a vigorar no dia 03 de janeiro de 2020, chegou, e com força, impondo 45 tipos de condutas consideradas abusivas contra os agentes públicos de todo o país.

                                   Muito se tem visto relacionar-se esta lei com o momento atual de grandes investigações, onde obviamente se encontra a Lava Jato, e um possível oportunismo em sua promulgação, ao argumento de que seria uma forma de frear os órgãos de persecução penal. Mas antes é preciso dizer que o seu texto foi aprovado depois de 02 (dois) anos de debates do Congresso Nacional, e veio substituir uma já existente, de 1965, exclusiva para o poder Executivo. Teorias de conspirações à parte, a Nova  Lei do Abuso de Autoridade esta em vigor, e cabe ao operador do direito conhecê-la.

                                   O novo texto normativo trouxe mudanças e novas tipificações penais de impacto, especificando condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade e prevendo suas respectivas punições.

                                   A nova lei amplia tanto as condutas descritas como abusivas na legislação anterior, como a quem essas se aplicam, abrangendo servidores públicos e autoridades, tanto civis quanto militares, dos três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário-, como também dos membros do Ministério Público[1], sejam federais ou estaduais.

                                   Dentre as medidas da nova lei estão a punição de agentes por decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado antes de intimação judicial; promover escuta ou quebrar segredo de justiça sem autorização judicial; divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir; continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado; interrogar à noite quando não é flagrante; e procrastinar investigação sem justificativa (veja a íntegra abaixo).

                                   O atual chefe do Poder Executivo Nacional tentou vetar 23 (vinte e três) condutas definidas pela nova lei como abuso de autoridade, porém destas, 15 (quinze) acabaram retornando ao texto por determinação do Senado Federal.

                                   De 53 (cinquenta e três) condutas que vieram originalmente com o texto proposto, 45 (quarente e cinco) tornaram-se efetivas, e as punições por abuso de autoridade podem chegar agora a 4 (quatro) anos de detenção, multa e indenização de natureza cível. 

                                   Ponto forte da nova lei é a punição que mexe até mesmo no “sagrado direito de estabilidade do servidor público”, prevendo que em caso de reincidência poderá haver a perda do cargo do serventuário ou autoridade, e a inabilitação para a retomada ao serviço público por um prazo de até 5 (cinco) anos[2].

                                   Entretanto, a mera divergência interpretativa de fatos e normas legais, segundo a lei, não é suficiente para configurar qualquer conduta criminosa, devendo, para tanto, ficar comprovado que o abuso se deu para benefício pessoal do autor, ou na intenção de prejudicar terceiro.

                                   No Capítulo VI – Dos Crimes e das Penas, que vai do art. 9º ao 38º, a lei estipulou os seguintes tipos penais:

1-Não comunicar prisão em flagrante ou temporária ao juiz; 2-Não comunicar prisão à família do preso; 3-Não entregar ao preso, em 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa; 4-Prolongar prisão sem motivo, não executando o alvará de soltura ou desrespeitando o prazo legal; 5-Não se identificar como policial durante uma captura; 6-Não se identificar como policial durante um interrogatório; 7-Interrogar à noite (exceções: flagrante ou consentimento); 8-Impedir encontro do preso com seu advogado; 9-Impedir que preso, réu ou investigado tenha seu advogado presente durante uma audiência e se comunique com ele; 10-Instaurar investigação de ação penal ou administrativa sem indício (exceção: investigação preliminar sumária devidamente justificada); 11-Prestar informação falsa sobre investigação para prejudicar o investigado; 12-Procrastinar investigação ou procedimento de investigação; 13-Negar ao investigado acesso a documentos relativos a etapas vencidas da investigação; 14-Exigir informação ou cumprimento de obrigação formal sem amparo legal; 15-Usar cargo para se eximir de obrigação ou obter vantagem; 16-Pedir vista de processo judicial para retardar o seu andamento; 17-Atribuir culpa publicamente antes de formalizar uma acusação; 18-Decretar prisão fora das hipóteses legais; 19-Não relaxar prisão ilegal; 20-Não substituir prisão preventiva por outra medida cautelar, quando couber; 21-Não conceder liberdade provisória, quando couber; 22-Não deferir habeas corpus cabível; 23- Decretar a condução coercitiva sem intimação prévia; 24-Constranger um preso a se exibir para a curiosidade pública; 25-Constranger um preso a se submeter a situação vexatória; 26- Constranger o preso a produzir provas contra si ou contra outros; 27- Constranger a depor a pessoa que tem dever funcional de sigilo; 28- Insistir em interrogatório de quem optou por se manter calado; 29-Insistir em interrogatório de quem exigiu a presença de um advogado, enquanto não houver advogado presente; 30-Impedir ou retardar um pleito do preso à autoridade judiciária; 31-Manter presos de diferentes sexos na mesma cela; 32-Manter criança/adolescente em cela com maiores de idade; 33-Entrar ou permanecer em imóvel sem autorização judicial (exceções: flagrante e socorro); 34-Coagir alguém a franquear acesso a um imóvel; 35-Cumprir mandado de busca e apreensão entre 21h e 5h; 36-Forjar flagrante; 37-Alterar cena de ocorrência; 38-Eximir-se de responsabilidade por excesso cometido em investigação; 39-Constranger um hospital a admitir uma pessoa já morta para alterar a hora ou o local do crime; 40-Obter prova por meio ilícito; 41- Deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível; 42-Usar prova mesmo tendo conhecimento de sua ilicitude; 43-Divulgar material gravado que não tenha relação com a investigação que o produziu, expondo a intimidade e/ou ferindo a honra do investigado; 44-Iniciar investigação contra pessoa sabidamente inocente; 45- Bloquear bens além do necessário para pagar dívidas[3].

                                   Todos os crimes previstos na nova lei são de ação penal pública incondicionada[4].

Fonte: Lei n.º 13.869/2019

Vacaria-RS, 04 de janeiro de 2020.

O Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais recomendou a leitura do artigo “Uma Breve Análise da Nova Lei de Abuso de Autoridade”. O artigo foi anexado ao documento como forma prática de informação aos militares sobre as condutas tipificadas como ilícito penal. backlink: http://www.tjmmg.jus.br/noticias-do-tjmmg/6550-expedicao-de-recomendacoes-do-tjmmg-para-a-desjudicializacao-dos-crimes-de-abuso-de-autoridade-e-de-falsidade-ideologica

 


[1] Art. 2º  É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a: I – servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; II – membros do Poder Legislativo; III – membros do Poder Executivo; IV – membros do Poder Judiciário; v – membros do Ministério Público; VI – membros dos tribunais ou conselhos de contas. Parágrafo único.  Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.

[2] Art. 4º  São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos; II – a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; III – a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.

[3] LEI Nº 13.869, DE 5 DE SETEMBRO DE 2019Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

[4] Art. 3º  Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada. 

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